quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Examinando: Predestinação e Livre-arbítrio

Greg L. Bahnsen

Com base nos textos de Efésios 1:11, Isaías 46:9-11, etc, percebe-se o ensinamento bíblico de que Deus, desde toda eternidade, decretou, de uma forma imutável, todos os eventos que acontecerão na história, até mesmo as decisões do homem. Deus predeterminou (de acordo com sua sabedoria) o "final da história" desde o início, bem como os meios pelo qual todos os seus planos serão estabelecidos.

Existem muitos exemplos bíblicos notórios que corrobora com esta ideia, por exemplo, quando Moisés fez maravilhas na presença de Faraó, exigindo que o povo de Deus fosse libertado. A Bíblia diz que Faraó recusou a dar ouvidos as exortações de Moisés, endurecendo o seu próprio coração (Ex. 7:13). Faraó, neste episódio, fez o que ele próprio desejava, segundo suas próprias escolhas, e, por causa disso, mais tarde ele sofreu nas mãos de Deus, que operou para obstinação do seu coração. No entanto, a livre escolha de Faraó para endurecer o seu coração foi previamente decretado por Deus. Em Ex 4:21 Deus disse a Moisés, antes do episódio, que iria endurecer o coração de Faraó. Outro exemplo é aquele referente ao imperador persa, Ciro. Este fez a sua livre escolha, decidindo liberar os judeus do cativeiro e reconstruir Jerusalém. Contudo, a Bíblia ensina que Deus predestinou que Ciro iria decidi fazer essas coisas (Isaías 44:28, 45:13). Essas coisas foram profetizadas por Deus de acordo com o seu sábio conselho, sem tirar nada da liberdade e realidade da vontade exercida por Ciro na história.

Nos dias de Cristo, os dois governantes terrenos, Herodes e Pôncio Pilatos, deliberaram sobre as opções disponíveis para eles e, finalmente, decidiram, por suas próprias vontades, que Jesus fosse executado. Juntamente com o povo judeu, Herodes e Pilatos eram culpados diante de Deus por suas escolhas. A Bíblia diz que eles fizeram "pelas mãos de injustos" (Atos 2:23). No entanto, o mesmo texto da Escritura diz que o que eles fizeram foi "de acordo com o determinado conselho e presciência de Deus". Em Atos 4:27-28, se lê: "Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer. "

A Bíblia declara que "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer." (Pv 21:1). É notável isso nos casos das decisões livres feitas por monarcas como Faraó, Ciro, Herodes e Pilatos. (E, certamente, o Senhor também dirige os corações e as decisões de todos aqueles que são menos do que reis poderosos.)

Portanto, do ponto de visto bíblico, não há dificuldade conceitual em afirmar que Deus predestinou as decisões que os homens fazem livremente. Deus determina de antemão o que as pessoas vão optar por fazer, e ainda, os indivíduos genuinamente decidem por si mesmos a fazê-lo.

Objeções:

1 - Se Deus predetermina as escolhas que os homens fazem então estas escolhas não são verdadeiramente livre, pois, neste caso, os homens não podem deixar de fazer o que Deus tem ordenado. Portanto os homens são apenas marionetes, sem responsabilidade moral pelo que fazem. Como você pode conciliar a predestinação soberana de Deus com o livre-arbítrio do homem?

R= A primeira coisa que temos que admitir sobre este padrão de raciocínio (Deus ordenou, logo, o homem não é livre e responsável) é que ele contradiz diretamente o ensinamento da infalível Palavra de Deus. A lógica bíblica diz que a predestinação soberana de Deus não priva o homem de liberdade e responsabilidade. Quem pode, com credibilidade, corrigir a Deus? Precisamos voltar e descobrir o que está errado em nossa própria maneira de pensar.

Muitas pessoas cometem o erro de pensar que o plano soberano de Deus e o seu controle sobre as coisas deste mundo, de alguma forma, muda o próprio caráter e a operação dessas coisas. Assim, se Deus, soberanamente predetermina como um homem vai usar sua vontade (o livre-arbítrio), então já não é mais a vontade do homem (a vontade livre não é realmente livre). Mas esse raciocínio é falacioso.

Quando Deus predetermina que o vento iria virar um redemoinho, isso não nega a realidade do vento. Quando Deus predeterminou que um copo de água iria saciar a sua sede, não se pode deduzir o fato de que a água não é realmente água. Tomemos por exemplo os ossos de Jesus. Sabemos, de acordo com o ensino bíblico, que Jesus teve um verdadeiro corpo humano, assim, seu ossos eram ossos humanos, reais - feitos da mesma substância. Semelhante com o de qualquer outra pessoa, seus ossos eram capazes de quebrar. Ele não tem ossos de aço ou super-divinos. Contudo, a Bíblia declarou de antemão que seus ossos não seriam quebrados (João 19:36). Deus predeterminou que os ossos de Jesus não seriam quebrados, mas, ao predeterminar, Deus não alterou a natureza dos ossos. Eles não, misteriosamente, se tornaram inquebráveis. Eles ainda eram ossos humanos.

Da mesma forma, quando a Bíblia nos ensina que Deus predestinou às decisões livres feitas por homens, não devemos inferir que essas decisões livres não eram realmente livres. A Vontade do homem continua sendo apenas isso - a sua vontade. Deus é capaz, de acordo com o raciocínio bíblico, determinar de antemão que o homem vai exercer sua livre vontade de uma forma particular - e assim o homem faz livremente. Sem força ou coação, o homem genuinamente escolhe fazer o que Deus já preordenou.

2 – Como o homem pode fazer uma escolha livre se a Bíblia ensina que o homem não tem a livre-arbítrio, mas uma vontade escravizada pelo pecado?

R= Quando falamos de "livre-arbítrio" do homem neste cenário, devemos lembrar que estamos simplesmente dizendo que as ações ou escolhas de uma pessoa são voluntárias - genuinamente sob seu controle, e, que existe a capacidade exterior de fazer uma escolha contrária ao que ela realmente escolheu fazer. Podemos chamar isso de "liberdade metafísica", ou seja, as escolhas da pessoa são auto-determinadas, ao invés de forçada ou obrigada.

Afirmar isso, não significa que o homem tem um "livre-arbitrio moral". A Bíblia deixa claro que os homens não regenerados não são livres para fazer o bem aos olhos de Deus, pois eles são moralmente incapazes, de modo que todas as escolhas ficarão aquém de agradar a Deus e não viver de acordo com suas normas sagradas. Moralmente falando, a vontade do homem está em escravidão aos desejos pecaminosos - portanto, não é "livre".

A Confissão de Fé de Westminster tem um capítulo intitulado "Do livre-arbítrio", que faz uma distinção entre a liberdade metafísica e a liberdade moral da vontade do homem caído:

"Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem, nem para o mal ... O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual (...)"
(IX.1, 3).

Referência:

BAHNSEN, Greg L., The Counsel of Chalcedon XIII:12 (February, 1992) © Covenant Media Foundation, 800/553-3938.
Traduzido e adaptado por Fabrício de Souza Zamboni.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Apologética Pressuposicional usa um Raciocínio Circular?

Massimo Lorenzini
Este artigo responde a objeção comum de que a apologética pressuposicional usa um raciocínio circular (por exemplo, usando a Bíblia para provar a Bíblia). Minha resposta é que todo mundo usa um raciocínio circular. Quando um pressuposicionalista começa com a cosmovisão cristã para defender a mesma, isto é, de fato, circular.  Quando se usa um raciocínio circular, geralmente é um argumento fraco. No entanto, quando estamos falando de um critério intelectual final, uma certa quantidade de circularidade é inevitável. Permitam-me expor um pouco a citação do artigo de Michael Kruger denominado "The Sufficiency of Scripture in Apologetics", que apareceu na edição do "The Master's Seminary Journal (disponível online em: www.tms.edu) na Primavera de 2001.

“ Negar circularidade quando se vai para uma autoridade última é sujeitar-se a um infinito regresso de razões [ou argumentos]. Se uma pessoa sustenta certa visão, A, então quando A é desafiado, ele apela para as razões B e C. Mas, naturalmente, [as razões] B e C certamente serão desafiadas quanto ao porque elas deveriam ser aceitas, e então a pessoa teria de oferecer D, E, F e G como argumentos para B e C. E o processo segue continuamente. Obviamente isso tem de parar em algum lugar porque um regresso infinito de argumentos não pode demonstrar a verdade das conclusões de alguém. Assim, toda cosmovisão (e cada argumento) deve ter um último, não questionado, ponto de partida de auto-autenticação. Outro exemplo: imagine alguém perguntando a você se a vara de metro em sua casa tem realmente um metro de comprimento. Como você demonstraria tal coisa? Você poderia levar ela para seu vizinho e compará-la com sua vara de metro e, [então], dizer: “Veja, tem um metro”. No entanto, a próxima questão é óbvia: “Como você sabe se a vara de metro de seu vizinho [e a sua] tem realmente um metro?” Esse processo seguiria infinitamente a menos que houvesse uma vara de metro última (a qual, se não me engano, realmente existiu em dado momento e foi medida por duas finas linhas marcadas sobre uma barra de platina-irídio). É essa vara de metro última que define um metro. Quando se pergunta como alguém sabe se a vara de metro último tem um metro, a resposta é obviamente circular: a vara de metro última [tem] um metro porque ela [tem] um metro. Essa mesma coisa é verdade para a Escritura. A Bíblia não apenas acontece de ser verdade (a vara de metro em sua casa), ao invés ela é o próprio critério para a verdade (a vara de metro última) e, portanto o ponto final de parada na justificação intelectual. ”

Então, quando começamos com a Bíblia para defender a Bíblia, isto é feito com a convicção de que a Palavra de Deus é o critério supremo da verdade. Quando um evidencialista começa com o racionalismo (e ás vezes também com o empirismo), ele também está discutindo em círculo, só que ele nem sequer reconhece esse fato.

Pode-se observar que o evidencialismo é circular porque ele começa com a racionalidade. No entando, o evidencialista nem sequer se preocupa em provar a racionalidade, ele simplesmente a pressupõe! Assim, quando o evidencialista começa com a racionalidade para provar a Bíblia, ele está demonstrando que acredita (mesmo que inconscientemente) que a racionalidade é o critério supremo da verdade.

Por outro lado, o pressuposicionalista diz que a Bíblia é auto-atenticadora. Não existe nenhuma outra autoridade de autenticação ou verificação. Quando uma criança de cinco anos diz ao seu pai: “Por que eu tenho que fazer o que você disse?” O pai não precisa responder com outra coisa senão: "Porque eu disse!”. Para a criança, não há nenhuma autoridade superior. Para o cristão, não há autoridade maior do que a Palavra de Deus. O próprio Deus não pode se referir a uma autoridade maior do que si mesmo:

"Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo" (Hebreus 6:13)

A Apologética é uma questão mais moral do que intelectual. Ela tem a ver com o arrependimento de um uso autônomo da razão buscando submeter o pensamento a Deus. Deve-se arrepender não apenas do conteúdo do que se acredita, mas também do método pelo qual se pensa. A questão aqui então é a própria epistemologia. Qual é a escala pela qual pesam os fatos? É a escala de Deus ou a nossa? Se usarmos a nossa própria escala, os fatos a respeito de Deus e a verdade definitiva sempre será achada em falta por causa da natureza depravada do homem. O estudo cuidadoso da doutrina da depravação total mostra que nenhuma quantidade de evidência dada a um pecador, uma pessoa rebelde, caída, vai ser suficiente para levá-la ao arrependimento e á fé.

O pecador não regenerado construiu para si uma parede que é como um escudo para proteger-se da verdade de Deus. A Apologética evidencialista é totalmente inadequada para a tarefa de remover os tijolos dentro da parede do incrédulo. Só uma abordagem pressuposicional de apologética é capaz de atacar de maneira eficaz, e desmantelar a fortaleza do relativismo, a apatia e o cinismo que o pecador incrédulo tem erguido com um esforço para barricar-se da verdade.

No entanto, eu não estou dizendo que uma apologética pressuposicional é suficiente para levar alguém á Cristo. A abordagem do pressuposicionalismo é aplicar uma apologética para o coração e a mente pós-moderna; sacudi-la de seu sono relativista, e assim, pressionar sobre ela a demanda da santa Lei de Deus e da gloriosa esperança do Evangelho de Jesus Cristo. Mas sem a obra regeneradora do Espírito Santo, mesmo a defesa mais poderosa da fé é inútil.

Você pode notar que a apologética pressuposicional busca ser consistente com a teologia bíblica. A doutrina da depravação humana por si só é suficiente para mostrar a inadequação da apologética evidencialista para levar um homem ao verdadeiro arrependimento e fé em Cristo. Este fato tem sido sempre fiel e sempre verdadeiro, não importa o que a visão de mundo predominante é, mas é especialmente verdadeiro quando se trata do pensamento descrente pós-moderno.

Enquanto a antropologia bíblica confirma o fato de que o evidencialismo é inadequado e incompatível com as Escrituras, outras doutrinas fundamentais também conduzem ainda mais a este fato. Ao considerar os métodos apologéticos, deve-se também levar em consideração as doutrinas da revelação geral e especial, Teologia adequada, hermatologia, soteriologia e cristologia. No entanto, eu não vou entrar em uma explicação de como essas doutrinas se relacionam com a apologética aqui.

A teologia é verdadeiramente fundamental na determinação de uma metodologia apologética. Sua compreensão da teologia informa sua epistemologia. A epistemologia é a chave para a compreensão da apologética. O pensamento do homem não é neutro, mas é escurecido, caído, e hostil a Deus. O homem, por natureza, odeia a Deus e faz tudo em seu poder para se esconder d'Ele. Portanto, o homem deve arrepender-se do seu pensamento autônomo, pecaminoso e depender da revelação de Deus, a fim de chegar ao conhecimento da verdade. Evidência, por si só, não é capaz de trazer um homem pecador para a salvação ou para a verdade. Ele irá interpretar todos os fatos pecaminosamente, em vez de submeter-se a interpretação dos fatos de Deus.

Você só pode saber se sua epistemologia é correta se ela se enquadra na norma divina, que é inerente ao homem via imagem divina (sensus divinitatis) e também testemunhada por impressão digital de Deus em toda criação (revelação geral). No entanto, a maior precisão epistemológica pode ser tida apenas através das Escrituras (revelação especial). Só quando você está consciente de sua epistemologia - verificada pelo padrão divino de revelação, você pode estar em uma posição para julgar alegações de verdade. Caso contrário, se você rejeita o padrão divino, você não tem nenhuma garantia de que a sua epistemologia é correta e precisa, [logo], você não estará em posição para pesar qualquer tipo de pretensão de verdade. Tudo se torna irremediavelmente sem sentido e fútil, e o pensamento racional em si é impossível.

Se o cristianismo é verdadeiro (e é), então devemos argumentar a partir da base do mesmo. Não podemos conceder a um pecador rebelde um terreno neutro sobre o qual pesam as evidências de Deus, pois não há terreno neutro. O uso autônomo da razão é o problema, não a solução! Pense nisso, o raciocínio humano autônomo levou á queda do homem no jardim. Como poderia alguma vez levar a Deus? Uma pessoa pode ter autonomia epistemológica somente se ele possui autossuficiência intelectual. O homem não é intelectualmente autossuficiente nem é existencialmente autossuficiente ou independente. Em vez disso, o homem é uma criatura finita, dependente de Deus. Ele é dependente de Deus para ter o oxigênio, comida e água, para sua existência (Atos 17:25).

Este mundo é de Deus. Não há simplesmente um terreno neutro para se ficar em cima e avaliar a evidência de Deus. Toda a criação é uma evidência! (Rm 1:18-20). Todos nós vivemos, nos movemos e temos nosso ser em Deus (Atos 17:28). Imagine que toda criação de Deus é como uma enorme bolha. Uma pessoa não pode ir para fora desta bolha e examiná-la. Não há terreno neutro, externo para ficar em cima. Não há nenhuma maneira de julgar os fatos atomisticamente e neutramente. Fatos só têm o seu significado dentro da visão de mundo mais ampla. Uma visão de mundo determina a interpretação dos fatos. Se alguém tem uma cosmovisão naturalista, os fatos serão interpretados de maneira que seja consistente com esta visão de mundo. O Pressuposicionalismo ataca o fundamento desses incrédulos, suas visões de mundo. Ele chama o descrente a se arrepender de seus pensamentos ímpios e pensar os pensamentos de Deus.

Crentes e não-crentes não têm um terreno epistemológico comum. Eles não compartilham as mesmas escalas, que pesam os fatos. Eles têm um terreno ontológico comum - como criaturas criadas á imagem de Deus. Portanto, o único terreno comum é ontológico e não epistemológico. Isto se torna o ponto de contato com o incrédulo - o fato de que eles são criados á imagem de Deus e estão cientes dessa verdade por mais que eles tentam suprimir (Rm 1:18-20).

Eu me simpatizo com a posição evidencialista porque eu também fui um evidencialista a maior parte da minha vida cristã. Eu simplesmente não conhecia outra maneira de abordar a apologética. Mesmo depois de muita exposição da apologética pressuposicional, eu levei alguns meses para entender e finalmente abraçar. Posso dizer-lhe que, uma vez que eu entendi, foi como um avanço muito grande, e eu caí no amor para com ela. Estas verdades não são facilmente visíveis. Você pode ter que lutar com elas por algum tempo antes de vê-la. Ela exige que você dê um passo atrás e olhe para as questões verdadeiramente fundamentais (teologia sistemática, epistemologia) e como elas afetam a sua metodologia apologética.

Referência:

Link: http://www.frontlinemin.org/epolpresupp.asp ,
acessado no dia 09/10/2013 ás 21:12. Traduzido por Fabrício de S. Zamboni e Emerson Campos Pinheiro.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Escatologia e Trabalho



Na América colonial do século 18, George Whitefield, enquanto em Nova Jersey, jantou com vários pastores americanos. Somos informados que:

Após o jantar, no curso de uma conversação descontraída e agradável, o sr. Whitefield falou das dificuldades em seu ministério do evangelho, procedentes do pequeno êxito com os quais seus labores foram coroados. Ele lamentou grandemente que toda sua zelosa atividade e fervor foram de pouca utilidade; disse que estava cansado das obrigações e fatigas diárias; declarou que seu grande consolo era que, em breve, sua obra estaria feita, quando partisse para estar com Cristo; que a expectativa de uma breve libertação mantinha seu espírito, ou, de outro modo, teria sucumbido sob o seu trabalho. Ele então apelou aos ministros ao seu redor, se eles não tinham grande conforto que em breve descansariam. Todos concordaram, exceto o sr. Tennent (o Rev. William Tennent Jr.), que sentava perto do sr. Whitefield em silêncio; e por seu silêncio demonstrava pouco prazer na conversação.

Nisso, o sr. Whitefield, virando-se para ele e dando um tapa em seu joelho, disse: "Bem, irmão Tennent, você é o mais velho entre nós! Não te alegra pensar que seu tempo está tão perto, quando você será chamado para o lar e estará livre de todas as dificuldades?"

O sr Tennent respondeu diretamente: "Não, eu não tenho esse desejo". O sr. Whitefield o pressionou de novo; e o sr. Tennent novamente respondeu: "Não, senhor, não é o meu prazer de forma alguma, e se você conhecesse o seu dever, tampouco o seria para você. Não tenho nada a ver com a morte; meu dever é viver o quanto puder - e servir ao meu Senhor e Mestre tão fielmente quanto puder, até que ele considere apropriado me chamar de lar."

O sr. Whitefield insistiu numa resposta explícita á sua pergunta, caso o tempo da morte fosse deixado á escolha dele. O sr. Tennet replicou: "Não tenho nenhuma escolha nisso; eu sou um servo de Deus, e tenho me engajado em fazer o seu trabalho enquanto ele se agradar em me deixar aqui. Mas não, irmão, deixa-me lhe fazer uma pergunta: o que você acha que eu pensaria se eu enviasse meu empregado Tom ao campo para lavrar, e se ao meio-dia eu fosse ao campo e o encontrasse roncando debaixo de uma árvore e reclamando: 'Senhor, o sol está muito quente, e o arado é muito duro e difícil; estou cansado e enfadado do serviço que me deu, e estou fatigado com o calor e fardo do dia; senhor, deixe-me retornar para casa e me dispense desse serviço duro.'

O que eu diria? Que é um preguiçoso e inútil; que sua responsabilidade era fazer o trabalho que eu lhe dei, até que eu, o justo juiz, considerasse apropriado chamá-lo para casa.

Ou suponha que você tenha contratado um homem para lhe servir fielmente por um determinado tempo, num serviço particular, e ele, sem nenhuma razão da sua parte, e antes de realizar metade do seu serviço, se cansasse do serviço, e, em cada ocasião, expressasse um desejo de ser dispensado ou colocado em outras circunstâncias
. Você não o chamaria de um servo mau e negligente, indigno dos privilégios do seu emprego?

A maneira branda, agradável e cristã na qual essa repreensão foi administrada, aumentou ainda mais a harmonia social e a conversão edificante daqueles irmãos, que concordaram ser muito possível errar, mesmo ao desejar “morrer e estar com Cristo”, que em si é “algo bem melhor”, do que permanecer neste estado imperfeito; e que é o dever do cristão nesse respeito dizer: “Esperarei todos os dias do meu tempo designado, até que chegue a minha mudança”.

Esse era o temperamento bíblico e puritano. Murray demonstrou a importância desse temperamento para o sucesso puritano, adicionando:

“A oportunidade de Honrar a Cristo cumprindo nossos deveres atuais é um privilégio sem preço, e aqueles que assim o servem não ficarão esperando a sua vinda. ‘Bem-aventurado aquele servo que o seu senhor, quando vier, achar servido assim’.”

A doutrina mundana a respeito do descanso é uma fuga do trabalho. Estar de férias significa uma busca inquieta por entretenimento e uma preocupação em se evitar as exigências do trabalho. O trabalho não produz nenhum domínio ao escaparmos da realidade da frustração e castração. O homem sem domínio verdadeiro, corre do trabalho para uma sexualidade frenética, tentando provar uma falsa potência, pois sabe, em seu coração, que é um homem impotente no que diz respeito ao verdadeiro domínio.

Para o homem de Deus, o descanso é um privilégio, assim como o trabalho. Ele descansa porque tem a certeza de que o Deus infalível e onipotente tem lhe assegurado a vitória, e que seu labor nunca é vão no Senhor. O homem de Deus descansa no orgulho e na alegria do domínio, ao deleitar-se no Deus que faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que o amam, para aqueles que são chamados de acordo com o seu propósito.

Aposentadoria é um princípio moderno, uma contraparte secular da idéia de um arrebatamento. É um abandono da virilidade e da vida. Enquanto o homem for capaz, ele precisa trabalhar, e precisa descansar. O arrebatamento e a aposentadoria são assumidos falsamente como premissas e significam uma entrega; elas tratam uma retirada do domínio como um privilégio, e não como uma tragédia de tristeza.

Referência:

RUSHDOONY, Rousas John, O Plano de Deus Para Vitória – O significado do pós-milenismo, ed. Monergismo, pg. 47-49 e 53-54.

sábado, 5 de outubro de 2013

Apologética no Seminário de Westminster

                           Apologética é muitas vezes definida como a "defesa da fé". Porém a apologética de Cornélius Van Til, professor de longa data do Seminário de Westminster, na Filadélfia, foi mais ofensiva do que defensiva. Ele viu a apologética como o meio pelo qual podemos desmascarar os pressupostos dos sistemas não-cristãos de pensamento, expondo-os como religiões baseadas em fé arbitrária no próprio homem. A Apologética de Van Til exige que os cristãos estejam profundamente conscientes de seus pressupostos: que devem ser regidos pelas Escrituras em casa pensamento, palavra e ação.

A Apologética do Seminário de Westminster, portanto, é mais do que a "defesa da fé", ela é também  a "Teoria cristã do conhecimento", pois, em sua apologética, aprendemos que a Palavra de Deus deve ser o axioma (princípio primeiro) para todo pensamento humano.

Em Westminster, é essa abordagem de base para o conhecimento que está por trás, não apenas do nosso ensino em apologética, mas de todos os outros campos. Todos os nossos professores buscam em suas respectivas disciplinas "levar cativo todo pensamento á Jesus Cristo" (2 Coríntios 10:5).

É por isso que nos departamentos do Antigo e Novo Testamento não devemos permitir que os alunos se contentem com o convencionalismo da erudição bíblica. Podemos ver que essa bolsa muitas vezes rejeita aquilo que Deus nos diz na Escritura; na verdade, em grande parte, opera nos pressupostos de que acontecimentos sobrenaturais são impossíveis. Em Westminster, estamos conscientes de que, se milagres são impossíveis, então o Deus bíblico também é impossível. Nós, não anti-intelectualistas, insistimos na interpretação das Escrituras, exatamente como tem sido feito em nossa tradição; mas não acreditamos em uma espécie de “progresso” que remova os alicerces da fé cristã -, que Deus agiu na história, visivelmente e milagrosamente. Procuramos ser estudiosos da Bíblica, responsáveis para com os dados da linguística e da história, mas, especialmente, responsáveis para com as normas das Escrituras em si.

Na teologia sistemática, também buscamos conhecer as Escrituras no caminho de Deus. As sistemáticas tendem a ser topicamente ordenadas, ao invés de historicamente ordenadas como em outros estudos bíblicos. Mas em todas as coisas, reconhecemos nossa obrigação de pressupor a verdade da revelação de Deus em todos os pontos e atacar os adversários expondo seus falsos pressupostos.

Na teologia prática, nossos alunos aprendem a praticar métodos de aconselhamento bíblico (como o desenvolvido por Jay Adams) e não as psicologias da moda. A pregação deve ser a proclamação da Palavra de Deus, e não ideias de homens, para que nossos alunos aprendam a serem meticulosos na elaboração de seus sermões e não fugirem das ideias transmitidas nos textos bíblicos.

Evangelismo, Educação Cristã, Plantação de Igrejas: toda disciplina "prática" repousa sobre a mesma visão de epistemologia (conhecimento) cristã.

A disciplina da História da Igreja aqui, não se limita a descrever acontecimentos passados, mas também pretende avaliá-los, segundo os padrões bíblicos. Assim, podemos aprender com o passado, para que os nossos ministérios presentes possam sem mais bíblico.

Assim, a apologética é encontrada em todo o nosso currículo. Em cada curso, os alunos aprendem a desmascarar os inimigos do cristianismo e avaliar suas pressuposições por critérios bíblicos. Em cada curso, os alunos aprendem a julgar os espíritos de nossa época pelos critérios da Palavra de Deus. Em cada curso, eles aprendem conteúdos e métodos que são autenticamente bíblicos.

Peço que roguem por nós, para que possamos realizar estas intenções de maneira cada vez mais consistente, de maneira que possamos contribuir mais e mais como embaixadores de Cristo neste mundo descrente.

Referência:
Texto retirado do site: http://www.frame-poythress.org/apologetics-at-westminster-seminary/ ás 14:35, 04/10/2013. Traduzido por Fabrício de S. Zamboni.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meditando sobre João 9:1-41

Meditando sobre João 9:1-41

Por John M. Frame

[In Covenant 4:3 (jun., 2001), 1-2]


Imagine que você tenha nascido cego. Seus pais, ou alguma outra pessoa, cuidou de você até que você completasse 12 anos. Depois dos doze você começou a mendigar. Hoje, você tem 35 ou 40 anos, e a mendicância é a única vida que você já viveu. Você conhece um pouco de religião, especialmente porque as pessoas ás vezes vem discutir ao seu redor, como por exemplo: "Quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego?" Isso é um aspecto do que os teólogos chamam de "O problema do mal". Então os Teólogos ficam por perto, discutindo sobre você da mesma forma que as pessoas discutem sobre economia ou sobre o clima

Certa vez, algo diferente acontece . É sábado, e dessa vez, um dos homens da discussão não dá as respostas e sempre. "Nem ele nem seus pais pecaram", ele diz, "mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele". Então Deus é o culpado? Foi Deus quem fez isso comigo? Você pergunta.

O homem então cospe no chão, faz uma lama com sua própria saliva e a coloca em seus olhos. O que este homem esta fazendo? Algum tipo de brincadeira cruel para que os teólogos riem do homem a quem Deus cegou? Então o homem diz: "Vai, lava-te no tanque de Siloé." Bem, provavelmente você não vai se machucar em fazer o que este homem disse, até porque você precisa tirar (lavando) a lama que esta em seus olhos. Então você vai e lava, e, algo incrível acontece: de repente, você consegue ver!

Depois disso você se levanta e começa a andar por aí. Você agora sabe exatamente onde está indo! Você agora tem um olhar de confiança e alegria, pois sabe que as pessoas vêem e tratam você de uma maneira diferente. Elas sabem que você mudou, e que deixou de ser aquela pessoa  que implorava por ajuda durante muitos anos. De repente, os teólogos querem falar com você: não apenas sobre você, mas agora com você.

"Como foi  que seus olhos se abriram?" - Perguntou um certo teólogo.

"Bem", você diz, " Um homem misturou terra com saliva, colocou-a nos meus olhos e me disse que fosse lavar-me. Fui, lavei-me, e agora vejo"

"Onde está esse homem?"

"Eu não sei...". Você responde sendo o mais honesto possível.

O teólogo então pergunta novamente: "O que você diz sobre este homem?" Hmm...Qual será a resposta certa? Um profeta? Os judeus insistem que ele não pode ser um profeta. Ele é um pecador. Ele quebra o sábado. Mas então, você vai e diz: "Se ele é um pecador ou não, eu não sei. Uma coisa eu sei: Eu estava cego, e agora eu posso ver."

Você mal conhece Jesus, mas, de repente, você se torna um apologeta. Apologética é dar uma razão para a nossa fé. O Apóstolo Pedro diz: "Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós" (1 Pedro 3:15). Você nunca sabe quando alguem vai perguntar "por que você acredita em Jesus?" ou "Por que você vai a Igreja?", pedindo a razão da vossa fé.

Nós ensinamos apologética no seminário. Consideramos muitos argumentos a favor e contra Deus e a Bìblia. São muitas visões diferentes sobre como defender a fé. Muitos estudiosos se sentem fortemente convictos de que sua abordagem é a melhor, a correta, e entram em muitas batalhas com outros apologetas tanto como com os não-cristãos.

Mas, a apologética bíblica é simples, e cada cristão é chamado para ser um apologeta. Sempre que alguém lhe pede para dar uma razão para sua fé, você deve estar pronto para responder. Isso não é uma tarefa difícil como muitos pensam. O cego de nascença não sabia muito, mas sabia que só Deus poderia fazê-lo ver. Deus o fez cego para glorificar o nome de Jesus. Nosso trabalho é dizer ás pessoas honestamente o que Deus tem feito em nossas vidas, e por isso acreditamos nele. Ao fazer isso, estamos desafiando os pressupostos que as pessoas usam para fechar a Deus fora de suas vidas e de seus pensamento. E, se Deus permitir, o nosso testemunho será um meio para levar tais pessoas á Cristo.