sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Livre-Arbítrio e Responsabilidade Moral


Há duas teorias sobre o livre-arbítrio que são geralmente discutidas em relação à responsabilidade ética. A primeira é usualmente chamada "libertarianismo", é típica da teologia arminiana. Muitos filósofos têm argumentado a favor dela, de Epícuro nos antigos tempos à C. A. Campbell, H. D. Lewis, Alvin Plantinga e muitos outros recentemente. Realmente, parece haver algo como um consenso entre os filósofos cristãos hoje de que uma pessoa não pode fazer justiça à responsabilidade moral sem pressupor uma visão libertariana da liberdade.


A visão libertariana declara que algumas decisões e ações humanas, particularmente decisões morais e religiosas, são estritamente não-causadas. Nas formas mais sofisticadas de libertarianismo, estas decisões não são nem mesmo causadas por nossos desejos ou caráter. Eles são muito insistentes sobre isto: um ato verdadeiramente livre não é um ato que realiza nosso desejo mais forte; pelo contrário, tipicamente, ele vai contra nosso desejo mais forte. O libertariano está ciente, certamente, de que nossos desejos são largamente uma função da nossa hereditariedade, meio-ambiente, decisões passadas e assim por diante. Se decisões livres são baseadas em desejos, ele pensa, elas não podem ser plenamente livres. Elas não são neste caso totalmente não-causadas.

O libertariano argumenta que tal visão é essencial para a responsabilidade moral. Porque ninguém é responsável por um ato, a menos que ele "pudesse ter agido de outra forma". Se eu fosse amarrado a uma máquina-robótica que, usando meus braços, roubasse um banco, eu não seria culpado de roubar o banco. Eu "não poderia ter agido de outra forma". Tal é o argumento libertariano.

Eu sempre sinto que esta posição é carente de força moral. Em primeiro lugar, ela nega o governo da soberania de Deus sobre os corações e decisões dos seres humanos, um governo que eu encontro abundantemente atestado na Escritura (veja minhas palestras sobre a Doutrina de Deus). Realmente, ao dizer que as ações humanas podem ser "não-causadas", ela atribui, no final das contas, ao homem a causalidade; mas no Cristianismo, somente Deus é a primeira causa.

Em segundo lugar, o libertarianismo me parece ser não-inteligível em seus próprios termos, por ele faz nossas escolhas morais serem acidentais. R. E. Hobart, em seu famoso artigo da década de 1930, escreveu que, sobre o efeito de uma base libertariana, uma escolha moral é como colocar meu pé para fora da minha cama sem meu desejo de fazê-lo, e me levar para onde não quero ir. A tentativa de separar decisões de desejos é psicologicamente perversa.

Além disso, o libertarianismo, ao invés de garantir a responsabilidade moral, realmente a destrói. Como podemos ser responsáveis por decisões, se aquelas decisões são "acidentes psicológicos", desconectados de qualquer um de nossos desejos? Realmente, tal situação seria, precisamente, negar toda responsabilidade. Certamente é difícil imaginar sendo responsável por algo que realmente não queríamos fazer.

E o libertarianismo confundiria toda a avaliação ética e legal. Para provar que alguém foi responsável por uma decisão ou ato, teríamos que provar que a decisão ou ato foi não-causada! E como poderíamos provar uma negação como esta? De fato, como atualmente praticamos ética e lei, a causação como tal nunca é um fator em julgamento, e deveras não pode ser. Certos tipos de causação (como a máquina-robótica que descrevi acima) removem a responsabilidade; mas a causação em si mesma não.

Um conceito alternativo de liberdade, consistente com a teologia reformada e sustentado por vários filósofos (os estóicos, Spinoza, Locke, Hume, Hobart, Richard Double et al) é freqüentemente chamada de "compatibilismo", porque sobre esta base, o livre-arbítrio e o determinismo (a visão de que tosos os eventos na criação são causados) são compatíveis. O compatibilismo mantém simplesmente que ao fazer decisões morais nós somos livres para fazer o que desejamos fazer, para seguir os nossos desejos. Como tal, o compatibilismo é o oposto preciso do libertarianismo, que sustenta que a liberdade requer independência do próprio desejo.

A teologia reformada reconhece que todas as pessoas têm liberdade no sentido compatibilista. Adão, antes da Queda, agiu de acordo com os seus desejos, que então eram santos. Depois da queda, os pecadores ainda agem de acordo com os seus próprios desejos, mas aqueles desejos são pecaminosos. Os redimidos são capacitados pela graça de Deus, progressivamente, a desejar coisas que são excelentes; e eles são livres para agir de acordo com aqueles desejos. Os santos glorificados no céu terão somente desejos puros, e eles agirão de acordo com aqueles desejos.

Eu creio que a liberdade compatibilistas é o principal tipo de liberdade necessária para a responsabilidade moral. Há outros tipos de liberdade, contudo, que são também importantes teológica e eticamente. Por exemplo, eu creio que os seres humanos têm uma certa liberdade para transcender sua hereditariedade e meio-ambiente, de forma que, embora estes fatores possam constituir desafios, testes e até mesmo tentações morais, não podemos usá-los como escusas para pecar. Não podemos reivindicar que somos "determinados" pela hereditariedade e meio-ambiente, de forma que neguemos nossa responsabilidade diante de Deus.

Outro tipo importante de liberdade é a liberdade do próprio pecado. Este é o significado usual de "liberdade" na Escritura, como em João 8:32,36. Neste sentido, o homem caído está em escravidão, não sendo capaz de evitar o pecado. Somente a graça de Cristo pode libertá-lo. Neste sentido, decisões pecaminosas não são decisões livres, embora elas sejam livres no sentido "compatibilista". Esta escravidão compromete a responsabilidade moral do pecado? Segundo as Escrituras, certamente não.

Se temos dificuldade aqui, pode ser porque falhamos em entender a natureza da escravidão do pecador. Ela é uma escravidão moral e espiritual, não uma escravidão metafísica, física ou psicológica. Se, como em minha ilustração da máquina-robótica, alguém é fisicamente forçado a fazer algo que ele não deseje fazer, então, certamente, sua escravidão remove sua responsabilidade pelo ato. Confrontada com o seu "feito", a pessoa teria uma escusa válida: "Eu não pude evitar; eu fui fisicamente forçado a fazê-lo". Mas imagine alguém vindo diante de um juiz humano e dizendo, para se escusar de um crime, "Eu não pude evitar, meritíssimo; eu fui forçado a fazê-lo por minha natureza. Desde o nascimento tenho sido um garoto extremamente perverso!". Certamente há algo irônico sobre apelar à depravação para escusar atos depravados! Se o nosso acusado é realmente um "garoto extremamente perverso", então, longe de ser uma escusa, isso é mais uma razão para prendê-lo! Meu ponto, então, é que, embora a escravidão física (e outros tipos de escravidão) possa fornecer escusas válidas para ações contrariamente más, a escravidão moral não é uma escusa. Eu não posso imaginar alguém disputando essa proposição, uma vez que ele a entenda.

Assim, há vários conceitos diferentes de liberdade: libertariano, compatibilista, transcendência moral do meio-ambiente, liberdade do pecado. Realmente, há muitos outros também. Nós falamos de "liberdade" onde quer que haja uma habilidade para sobrepujar algum obstáculo potencial. A liberdade econômica é a habilidade de comprar e investir, a despeito das dificuldades de alcançá-la. Liberdade física de vários tipos existe quando o corpo não é restringido, por exemplo, por cordas ou barras de prisão. Liberdade legal é a habilidade de fazer algo sem ser culpado de um crime, e assim por diante. É uma boa idéia nos lembrar de quão ambíguo o termo "liberdade" é. Quando alguém cria um caso sobre liberdade, nós podemos legitimamente pedir que esta pessoa defina que conceito de liberdade ela tem em mente.

E nós mesmos deveríamos tentar, com todo esforço, sermos claros. Quando você prega evangelísticamente, notando a apropriada ênfase calvinista e bíblica sobre a incapacidade do homem, como você apresentará isso? Simplesmente dizer que o pecador "não pode" receber a Cristo é enganador. Em muitos sentidos ele pode, e deveria: ele é fisicamente e mentalmente capaz; ele não é forçado a permanecer um pecador contrariamente aos seus desejos; nem é "incapaz" num sentido de que temos algum conhecimento de que a graça divina será para sempre negada. A incapacidade do pecado é moral e espiritual; deveras, como temos visto, é uma incapacidade da qual ele mesmo é responsável.

Simplesmente dizer "você não pode receber a Cristo" é, na melhor das hipóteses, motivar uma resposta passiva, uma na qual simplesmente a pessoa espera Deus fazer algo. Mas esta não é a resposta requerida pela pregação do Novo Testamento, ou pela verdadeira pregação reformada. A resposta requerida é "arrependa-se, creia e seja batizado". O pecador deve agir, e não esperar que Deus faça ele agir. Certamente se ele agir, então sabemos que Deus agiu também!

Outra área de confusão: eu não sei quantas vezes eu perguntei aos candidatos para licenciatura e para ordenação, se somos livres do decreto de Deus, e eles replicaram, "Não, porque somos caídos". Isto é confundir libertarianismo (liberdade do decreto de Deus, habilidade para agir sem causa) com liberdade do pecado. No primeiro caso, a queda é inteiramente irrelevante. Nem antes, nem depois da queda Adão foi livre no sentido libertariano. Mas liberdade do pecado é algo diferente. Adão a tinha antes da queda, mas a perdeu como um resultado da queda.

Referência:

http://www.monergismo.com/textos/livre_arbitrio/livre_responsabilidade_frame.htm; acessado dia 20/12/2013 ás 19:47 hrs. John M. Frame.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Apologética para a glória de Deus


John M. Frame

PRESSUPOSIÇÕES

Nosso versículo tema, 1Pedro 3.15, começa dizendo: "...santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração". O apologeta tem de ser crente comprometido com o senhorio de Cristo (cf. Rm 10.9; 1Co 12.3; Fp 2.11). [1]

Alguns teólogos apresentam a apologética quase como se fosse uma exceção desse compromisso. Dizem-nos que, quando argumentamos com descrentes, deveremos não argumentar com base em critérios ou padrões derivados da Bíblia. Argumentar dessa maneira, eles dizem, seria tendencioso. Deveremos, antes, apresentar ao incrédulo um argumento sem preconceito, um que não contenha suposições religiosas contra ou a favor, um que seja neutro. Segundo essa visão, deveremos usar critérios e padrões que o próprio descrente possa aceitar. Assim, a lógica, fatos, experiência, razão e coisas como tais se tornariam fontes da verdade. A revelação divina, especialmente a Escritura, fica, assim, totalmente excluída. [2]

Tal argumento poderá parecer simples bom senso comum: uma vez que Deus e Escritura são precisamente as matérias em questão, obviamente não deveríamos fazer suposições sobre elas mesmas em nosso argumento. Isso seria usar um raciocínio circular. Também poria um fim ao evangelismo, pois, se exigirmos que o descrente assuma a existência de Deus e a autoridade da Escritura a fim de entrar no debate, certamente ele não consentirá. A comunicação entre crentes e incrédulos seria impossível. Portanto, deveríamos evitar a colocação de quaisquer requisitos desse tipo, e prosseguir, argumentando em bases de completa neutralidade. Poderíamos, até, jactar-nos diante do descrente de que nosso argumento somente pressupõe os critérios que ele também aceita (lógica, fato, consistência ou o que seja).

Esse tipo de apologética é, algumas vezes, chamado de método clássico ou tradicional, [3] dado que reivindica que muitos o defenderam por intermédio da história da igreja, particularmente os apologetas do século 2º (Justino, Mártir, Atenágoras, Teófilo e Aristides), o grande pensador do século 13, Tomás de Aquino, e muitos dos seus seguidores até o presente, como Joseph Butler (1752) e seus seguidores, e, de fato, a grande maioria dos apologetas contemporâneos. [4]

Ao dizer que os apologetas tradicionais defendem a "neutralidade", não estou argumentando que, quando fazem apologética, eles tentem colocar á parte o seu compromisso cristão. De fato, muitos deles creem que seu tipo de apologética é sustentado pela Escritura e que, portanto, santifica "a Cristo, como Senhor" no "coração". Eles, no entanto, dizem aos incrédulos que pensem com neutralidade durante o encontro apologético, procurando, eles mesmos, desenvolver um argumento neutro, um que não tenha pressuposições distintamente bíblicas.

Coloco-me distante de, até mesmo, desejar declarar que tal tradição seja sem valor. Mas precisamente sobre o ponto em questão, a questão da neutralidade, eu não creio que ela seja bíblica. O raciocínio de Pedro, em nosso versículo tema, é bem diferente. Para Pedro, a apologética não é uma exceção do abrangente compromisso com o senhorio de Cristo. Ao contrário, a situação apologética é uma em que temos de santificar "a Cristo, como Senhor" no "coração" para falar e viver de maneira que exalte seu senhorio e encoraje outros a fazer o mesmo. Em um contexto mais amplo, Pedro está dizendo a seus leitores que façam aquilo que é certo, a despeito da oposição dos incrédulos (vs. 13-14). Diz que não temamos. Certamente seu ponto de vista não era que, em apologética, deveríamos colocar algo menos do que a verdade em função do medo de a própria verdade ser rejeitada.

Pedro, ao contrário, diz que o senhorio de Jesus (e, por conseguinte, da verdade de sua Palavra, pois como poderíamos chamá-lo "Senhor" e não fazer o que ele diz [Lc 6.46]?) é nossa ultimada pressuposição [5]. Uma proposição última é um compromisso de coração, uma confiança final. Confiamos em Jesus Cristo como sendo questão de vida eterna ou de morte. Em sua sabedoria acima de qualquer sabedoria. Em suas promessas acima de quaisquer outras. Ele nos chama para lhe dedicar toda a nossa lealdade e não permitir que outra lealdade rivalize com a que lhe é devida (Dt 6.4ss,; Mt 6.24; 12.30; Jo 14.6; At 4.12). Obedecemos a sua lei, mesmo quando ela conflita com leis menores (At 5.29). Uma vez que cremos nele com maior certeza que cremos em qualquer outra coisa, ele (e, portanto, sua Palavra) é o próprio critério, o padrão final de verdade. Que maior padrão possivelmente haveria? Que padrão seria mais autoritário? Que padrão seria mais claramente conhecido ( ver Rm 1.19-21)? Que autoridade, em última instância, validaria todas as outras autoridades?

O senhorio de Cristo não é somente último e inquestionável, não apenas acima e além de todas as autoridades, mas também cobre todas as áreas da vida humana. Em 1Coríntios 10.31, lemos: "Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus" (cf. Rm 14.23; 2Co 10.5; Cl 3.17, 23; 2Tm 3.16-17). A demanda de nosso Senhor sobre nós é toda abrangente. Temos de buscar agradá-lo em tudo o que fazemos. Nenhuma área da vida humana é neutra. [6]

Certamente, esse princípio inclui a área do pensamento e do conhecimento. O temor do Senhor é o princípio do saber, diz o autor de Provérbios (1.7; cf. Sl 111.10; Pv 9.10). Aqueles que não são trazidos ao temor do Senhor sequer podem ver o reino de Deus (Jo 3.3).

O ponto não é se os descrentes são simplesmente ignorantes da verdade. Antes, Deus se revelou a cada pessoa com evidente claridade, tanto na criação (Sl 19; Rm 1.18-21) quanto na natureza do homem (Gn 1.26ss.). Em certo sentido, o incrédulo conhece Deus (Rm 1.21). Em algum nível de sua consciência ou inconsciência permanece tal conhecimento. [7] A despeito desse conhecimento, o incrédulo intencionalmente distorce a verdade, substituindo-a pela mentira (Rm 1.18-32; 1Co 1.18–2.16 [observe especialmente 2.14]; 2Co 4.4). Portanto, o descrente é “enganado” (Tt 3.3). Ele conhece a Deus (Rm 1.21) e, ao mesmo tempo, não conhece a Deus (1Co 1.21; 2.14).[8] Evidentemente, esses fatos suportam o ponto de que a revelação de Deus tem de governar a nossa aproximação apologética. O descrente não pode (e não quer) chegar à fé à parte do evangelho da salvação revelado na Bíblia. Nós também não saberíamos a respeito da condição do incrédulo à parte da Escritura. E não poderemos alcançá-lo apologeticamente a menos que estejamos dispostos a ouvir os princípios apologéticos da própria Escritura.

Isso significa não apenas que o apologeta tem de santificar a “Cristo como Senhor” em seu coração, mas também que seu argumento tem de pressupor esse senhorio. Nosso argumento tem de ser uma exposição do conhecimento e da sabedoria baseados no “temor do Senhor”, não uma exibição de estultícias da incredulidade. Portanto, o argumento apologético, como em tudo o que fazemos, tem de pressupor a verdade da Palavra de Deus. Aceitamos a autoridade de Deus ou a rejeitamos, e não aceitá-la é pecado. E isso, não importando se conversamos com não cristãos. Nesse caso – especialmente nesse caso (pois estaríamos dando testemunho) – teríamos de ser fiéis à revelação do Senhor.

Dizer ao incrédulo que podemos arrazoar com ele em uma base neutra, por mais que possa atrair sua atenção, é uma afirmação mentirosa. De fato, é uma mentira do mais sério tipo, pois falsifica o cerne do evangelho – a confissão de que Jesus é o Senhor. Por essa razão, não há neutralidade. Nosso testemunho será a sabedoria de Deus ou a estultícia do mundo. Nada poderá haver no meio delas. E mais: mesmo se a neutralidade fosse possível, seria um caminho que nos é proibido.

Argumento Circular
Seria o caso de abraçarmos o argumento circular? Somente em um sentido. Nós não somos chamados a usar um argumento como: “A Bíblia é verdadeira; portanto a Bíblia é verdadeira”. É bem legítimo, como observaremos, argumentar na base de evidência como o testemunho de quinhentas pessoas acerca da ressurreição de Cristo (1Co 15.6). Os relatos de testemunhas oculares poderão ser usados argumentativamente como segue: “Se as aparições de Jesus após a ressurreição foram bem atestadas, então a ressurreição é um fato. Suas aparições foram bem atestadas, portanto, a ressurreição é um fato”. Esse não é um argumento circular em qualquer definição razoável de circularidade. No entanto, torna-se evidente certa circularidade quando alguém pergunta: “Qual é seu critério último para uma boa atestação?” Ou: “Que visão abrangente do conhecimento humano permite que você raciocine a partir de testemunhas oculares de um fato miraculoso?” A filosofia empirista de David Hume, para usar um único exemplo, não permite esse tipo de argumento. O fato é que o cristão, aqui, estará pressupondo uma epistemologia cristã – uma visão de conhecimento, testemunho, atestado, aparição, e fato que está sujeita á Escritura. Em outras palavras, estará usando normas escriturais para provar conclusões escriturais. [9]

Será que tal procedimento mereceria ser condenado como sendo “circular”? Todo mundo raciocina da mesma maneira. Cada filosofia usa os próprios padrões a fim de provar suas conclusões; de outro modo, seria inconsistente. Aqueles que creem que a razão humana é a autoridade final (racionalistas) terão de pressupor a autoridade da razão para elaborar seus argumentos em favor do racionalismo. Os que acreditam na ultimação da experiência sensorial terão de pressupor isso ao argumentar em favor de sua filosofia (empirismo). E os céticos terão de ser céticos em relação ao próprio ceticismo (um fato que, é claro, é o calcanhar-de-aquiles do ceticismo). O ponto é que, quando alguém argumenta quanto á necessidade de um critério último – Escritura, Alcorão, razão humana, sensação ou o que quer que seja – terá de usar um critério compatível com a sua conclusão. Se isso significar circularidade, então todo mundo será culpado de circularidade. [10]

Isso eliminaria a possibilidade de comunicação entre o crente e o incrédulo? Parece que sim. O cristão argumenta baseado em critérios bíblicos, que a ressurreição é um fato. O não cristão replica que não pode aceitar tais critérios e que não aceitará a ressurreição a menos que seja provada, digamos, pelos padrões do empirismo de Hume. Nós respondemos que não podemos aceitar as pressuposições de Hume. O descrente diz que não pode aceitar as nossas. Será que isso terminaria a conversa?

Certamente não, por diversas razões.

Em primeiro lugar, repito, a Escritura nos diz que Deus se revelou claramente ao incrédulo, de maneira que o descrente conhece a Deus (Rm 1.21). Embora ele reprima tal conhecimento (vs. 21 ss.), em algum nível de sua consciência há uma memória dessa revelação. É contra essa memória que ele peca e por causa dela é que ele é responsabilizado por seus pecados. Nesse nível, ele sabe que o empirismo está errado e que os padrões da Escritura estão certos. Nós dirigimos nosso testemunho apologético não á sua epistemologia empirista ou outra, mas á sua memória da revelação de Deus á epistemologia implícita nessa revelação. Para alcançar comunicação significante, não só podemos, mas devemos usar critérios cristãos em vez de os critérios da epistemologia do descrente. Assim, quando o incrédulo diz: “Não posso aceitar suas pressuposições”, nós respondemos: “Bem, vamos falar mais um pouco e, talvez, elas se tornem mais atrativas (assim como você espera que as suas fiquem mais atraentes a mim) á medida que expomos nossas ideias com maior profundidade. Entretanto, continuemos a usar nossas pressuposições e vamos em frente com algumas coisas que ainda não discutimos”.

Em segundo lugar, nosso testemunho para o incrédulo jamais vem sozinho. Se Deus resolve nos usar como testemunhas para os seus propósitos, então ele sempre some um elemento sobrenatural ao testemunho – o Espírito Santo, operando em e com o mundo (Rm 15.18-19; 1Co 2.4-5, 12ss.; 2Co 3.15-18; 1Ts 1.5 [cf. 2.13]; 2Ts 2.13-14). Se, por qualquer razão, houver dúvida quanto a nossa própria habilidade de comunicação, certamente não haverá razão para dúvidas da habilidade do Espírito Santo. E, se nosso testemunho é fundamentalmente seu instrumento, então nossa estratégia deverá ser ditada pela sua Palavra e não pelas nossas suposições ditadas pelo senso comum.

Em terceiro lugar, é fato que agimos dessa maneira em casos similares que não são religiosos. Imagine alguém que vive em um mundo de sonhos – um paranoico, talvez, que creia que todo mundo quer matá-lo. Vamos chamá-lo de Oscar. Digamos que Oscar pressuponha tal horror, de maneira que cada ponto de evidência seja torcido para adequar á sua conclusão. Todo ato de bondade, por exemplo, torna-se, na visão de Oscar, evidência de um nefasto complô para apanhá-lo desarmado a fim de apunhalá-lo entre as costelas. Oscar faz o que fazer os incrédulos, conforme Romanos 1.21 ss. – torce a verdade pela mentira. O que poderá ajudá-lo? Certamente, não um critério “neutro”, pois esse não existe. Alguém terá de aceitar ou rejeitar suas pressuposições. É claro, a resposta é que arrazoaremos com ele em termos da verdade como a percebemos, mesmo que tal verdade conflite com suas mais profundas pressuposições.

Em algumas ocasiões, poderemos dizer: “Bem, nós dois parecemos arrazoar baseado em suposições diferentes, de maneira que não chegaremos a nenhum lugar”. Contudo, em outras ocasiões, nosso raciocínio poderá penetrar suas defesas. Afinal, Oscar é um ser humano. Em algum ponto, ele será capaz de ouvir e de se deixar transformar. Alguns paranoicos, ás vezes, revertem para a sanidade. Nós falamos a verdade com a esperança de que isto acontecerá, certos de que, se palavras são úteis em situações como essa, elas não poderão acumular mais mentiras, mas terão de portar a verdade a fim de produzir cura.

Creio, então, que uma aproximação “pressuposicional” [11] da apologética esteja assegurada não apenas pela Escritura, mas pelo senso comum!

Em quarto lugar, a apologética cristã pode assumir diversas formas. Se um descrente faz objeção á “circularidade” dos argumentos evidenciais cristãos, o cristão poderá simplesmente passar para outro argumento, como na apologética “ofensiva”, contra a própria epistemologia ou cosmovisão do incrédulo. Essa apologética também será circular no preciso sentido já estabelecido, mas de modo menos óbvio. Poderia ser apresentado socraticamente, em uma série de questões: Como você explica a universalidade das leis da lógica? Como você chega ao julgamento de que a vida humana vale a pena ser vivida? Ou, talvez, como o profeta Natã fez com Davi em face da sua relutância para se arrepender (2Sm 11-12), nós poderemos contar uma parábola para o descrente. Talvez, a parábola do rico estulto (Lc 12.6-21). Aqueles que creem que o pressuposicionalismo elimina a comunicação entre o crente e o incrédulo, menosprezam o poder de Deus para alcançar o coração do homem. Eles menosprezam também a riqueza e a variedade de uma apologética bíblica, a criatividade que Deus nos tem concedido para sermos seus porta-vozes, e as muitas formas que essa apologética pode tomar.

Em quinto lugar, em Doctrine of the Knowledge of God e em outros lugares, eu tenho distinguido entre argumento “circular estreito” e argumento “circular abrangente”. Um exemplo do primeiro é: “A Bíblia é a Palavra de Deus porque ela é a Palavra de Deus”. Poderia também ser dito: “A Bíblia é a Palavra de Deus porque ela assim o diz”. Há uma verdade vividamente exibida nesse argumento estreito, a saber, que não há autoridade maior do que a Escritura pela qual a Escritura possa ser julgada, e que, em uma análise final, temos de crer na Escritura na base do seu testemunho. Não obstante, o argumento estreito tem óbvias desvantagens, movendo-nos para o argumento circular abrangente.

O argumento abrangente diz: “A Bíblia é a Palavra de Deus por causa de diversas evidências” – e, então, especificar tais evidências. Agora, o argumento continua sendo circular em um sentido porque o apologeta escolhe, avalia e formula as evidências de maneiras controladas pela Escritura. Esse tipo de argumento tende a manter a atenção do descrente por mais tempo e é mais persuasivo. “Circularidade”, no sentido que tenho concedido, poderá ser tão abrangente quanto todo universo, pois todo fato testifica a verdade de Deus.

Notas:

[1] DKG inclui boa porção de reflexão sobre a centralidade do senhorio de Jesus na Escritura, na teologia cristã e na vida cristã. Á luz deste penetrante ensino central, as recentes asserções de que alguém poderia ser um crente sem confiar em Jesus como Senhor terão de ser rejeitadas não apenas como sendo erradas, mas como pensamento desviante. Entretanto, o ensino não deverá ser confundido com o do perfeccionismo. A sincera confissão de que Jesus é Senhor marca o começo, de fato, da essência do testemunho cristão, mas o cristão recente somente virá a entender e agir baseado nas plenas implicações do senhorio de Cristo de maneira gradual e progressiva.

[2] Sobre o papel da revelação natural, ver a seção com o mesmo título, neste mesmo capítulo.

[3] Um livro recente que ataca o pressuposicionalismo de Van Til e defende a aproximação tradicional é Classical Apologetics, de R. C. Sproul, John Gerstner e Arthur Lindsley (Grand Rapids, MI, Zondervan, 1984). Do outro lado estão o meu DKG ou qualquer outro livro de Van Til, como The Defense of the Faith. Ver minha crítica ao volume de Sproul, Gerstner e Lindsley, no Westminster Theological Journal, 47, 2 (outono de 1985), 279-299. Incluí, neste livro, o Apêndice A sobre essa matéria.

[4] Meu amigo, R. C. Sproul, em correpondência, insiste que a tradição clássica, notadamente Aquino e Sproul (!), não reivindicam “neutralidade”, mas, antes, apelas á revelação geral de Deus – sua revelação na natureza, história e consciência (ver as discussões de Rm 1 e da revelação natural, neste capítulo). Entretanto, nessa relação, Aquino distinguia não entre revelação especial e natural, mas, sim, entre razão e fé – isto é, entre raciocínio não amparado na Escritura e raciocínio nela amparado. Além disso, Aquino (interessantemente diferente de Sproul) tinha pouca consciência prática dos efeitos do pecado sobre o raciocínio humano de modo que era capaz de usar, de maneira acrítica com poucas exceções notáveis, os pontos de visto do filósofo pagão, Aristóteles. Diferente de Calvino, Aquino não acreditava que alguém necessitasse dos “óculos da Escritura” para corretamente interpretar a revelação de Deus na natureza. A meu ver, Aquino considerou o raciocínio de Aristóteles como não sendo pró ou anticristão, mas neutro. Quanto ao próprio Sproul, nada tenho para criticar sua exposição sobre os efeitos do pecado no raciocínio do descrente, discutida em Romanos 1. Ele claramente nega a neutralidade do pensamento do incrédulo (ver Classical Apologetics, 39-63). Portanto, ele reconhece que o encontro apologético entre o crente e o incrédulo não é um entre partes que busquem neutralidade, mas entre um descrente que tende a pensar contra a verdade e um crente que busca corrigir tal tendência – e que é inevitavelmente levado a tender na direção oposta. Contudo, não acho que essa discussão seja consistente com o tratamento da autonomia, nas páginas 231-240. Encorajar o incrédulo a pensar de maneira autônoma é o mesmo que encorajá-lo a pensar sem a correção da revelação – isto é, pensar de maneira “neutra” (que é, na verdade, pensar de maneira desobediente, substituindo os padrões de Deus pelos padrões do próprio descrente). (Para maiores detalhes sobre esse ponto, ver minhas críticas a Classical Apologetics, já citado.) Minha opinião é que os três autores desse livro não estavam inteiramente de acordo entre si mesmos. Comparando outros livros que tais cavalheiros escreveram independentemente, eu diria que o tratamento de Romanos 1 é obra de Sproul, e as páginas 231-240 são da lavra de Gerstner. Recebo bem a R. C. Sproul como um pressuposicionalista honorário, mas espero que ele tenha uma conversa com seus colegas a respeito da matéria.

[5] Ver DKG, 1-49, esp. P. 45. “Senhor”, na Escritura, refere-se ao suserano de um relacionamente pactual. Nesse relacionamento, o Senhor dirá aos seus servos pactuais a maneira pela qual devem viver e lhes promete as bênçãos que já lhes tem dado – seu “favor imerecido” ou graça que os motiva á obediência. Se as palavras de graça, lei e promessa, não haverá senhorio. Reconhecer o Senhor é crer e obedecer as suas palavras acima de qualquer outra coisa. E obedecer as palavras do Senhor dessa maneira significa aceitá-las como pressuposição últimas.


[6] Esse foi o entendimento do grande pensador holandês Abraham Kuyper. Ele viu que o senhoria de Cristo requer diferentes formas cristãs de cultura. Os cristãos deveriam produzir arte, ciência, filosofia, psicologia, academia histórica e bíblica e sistema político econômico que fossem distintamente cristãos. Também deveriam educar seus filhos de maneira distintivamente cristãs (observe a educação saturada da centralidade de Deus a que Dt 6.6ss. insta após o desafio de amar exclusivamente a Deus). Para muitos de nós, tais considerações ordenam a educação no lar ou em escolas cristãs para os nossos filhos, pois como, de outro modo, poderíamos competir com seus a sete horas diárias de ensino secularista nas escolas públicas, como a lei obriga? Em todo caso, os cristãos não podem tomar, acriticamente, o caminho mais fácil, seguindo o pensamento do mundo incrédulo. Considere o comentário de Kuyper: De todo território da criação, Jesus disse: “É meu”.

[7] Algumas pessoas tem tentado enfatizar a forma passada (aoristo) de “conhecer”, em Romanos 1.21, para provar que o conhecimento em vista é passado, não continuando no presente. O propósito de Paulo, nessa passagem, entretanto, é parte de um propósito mais abrangente em 1.1-3-3.21, de demonstrar que todos pecaram e, portanto, não podem ser justificados mediante as obras da lei (3.19-21). No capítulo 1, ele mostra que, mesmo sem acesso á lei escrita, os gentios são culpados de pecado diante de Deus (o cap. 2 lida com os judeus). Como poderiam ser responsabilizados sem acesso á lei escrita? Exatamente por causa do conhecimento de Deus que receberam por meio da criação. Se tal conhecimento fosse renegado ao passado, teríamos concluído que os gentios do presente não seriam mais responsáveis por suas ações, contrário ao que diz 3.9. A forma passada é usada (particípio) porque o tempo passado é dominante no contexto. Isso é apropriado porque a intenção de Paula é de embarcar na “história da supressão da verdade”, nos versículos 21-32. Claramente, ele não considera os eventos dos versículos 21-32 como mera história passada. Ele usa essa história para descrever a presente condição dos gentios diante de Deus. Portanto, o aoristo gnontes não deveria ser forçado para indicar exclusivamente o passado. Á medida que a supressão continua, também continua o conhecimento que faz da supressão um elemento de culpa.


[8]
Obviamente, há uma complexidade, aqui, que requer mais explicação. Há diferentes tipos de conhecimento em vista, pois o conhecimento cristão de Deus (de que o descrente carece) é bem diferente do conhecimento que o incrédulo tem de Deus (Rm 1.21, 32). Além disso, há uma complexidade psicológica: o incrédulo sabe coisas em certo nível de consciência, as quais ele tenta banir para outros níveis. Colocando de maneira mais simples que posso, ele conhece a Deus, sabe o que Deus que dele, mas ele não quer que tal conhecimento influencie suas decisões, exceto negativamente. Conhecimento da vontade de Deus é que o instrui a desobedecer a Deus. Ver DKG, 1-61.

[9] Essa epistemologia é singularmente bíblica no sentido de que um descrente não poderá, consistentemente, aceitá-la. De fato, a revelação de Deus na criação e na Escritura é seu ponto central. Qualquer teoria do conhecimento tem de especificar seu padrão ou critério último para a determinação da verdade ou da falsidade. O padrão final para os cristãos é a Palavra de Deus na Escritura; o padrão do incrédulo está colocado em outro lugar. Ver DKG, em que essa epistemologia é tratada mais detalhadamente.


[10]
Dados esses esclarecimentos, não me preocupo muito se o apologeta cristão aceito ou rejeita o termo circular para descrever tal tipo de argumento. Há perigos óbvios de desentendimento em seu uso; perigos que procurei enfrentar em DKG. Mas me inclino mais, agora, a dizer aos meus críticos: “Dada a sua definição de circularidade, eu não creio nela”.

[11] Particulamente, não aprecio o termo pressuposicional como descrito na apologética de Van Til ou na minha, embora seja com frequência usado dessa forma. Pressuposições são, geralmente, contrastadas com evidências, de maneira que, chamar um sistema de pressuposicional tende a portar a mensagem de que um sistema reconhece a importância de pressuposições, mas despreza evidências. Gordon Clark usou o termo a seu respeito, corretamente, porque tinha uma visão cética daquilo que poderia se conhecer mediante a experiência sensorial humana e, assim, uma visão também cética daquilo que é comumente chamado de “evidência”. Ele acreditava que o termo conhecimento deveria ser reservado somente para aquilo que aprendemos da Escritura. Van Til, entretanto, não tinha tal visão cética da experiência sensorial, não acreditava que o conhecimento estivesse restrito á Bíblia da maneira como anteriormente colocado, e não se inclinava a rejeitar o uso de evidências. Assim, o pressuposicionalismo, usado no sentido de Clark, não é uma descrição da posição de Van Til ou da minha. Outros, como (eu creio) John Gestner, entenderam mal o uso vantiliano do termo. Eles enfatizaram o prefixo pré em pressuposição e, então, concluíram que pressuposição fosse algo em que alguém crê antes (em relação ao tempo) de crer alguma coisa. Esse é um erro. O pré deveria ser entendido principalmente como indicador e eminência (e.g., preeminência), não no sentido de prioridade temporal. (Entretanto, há um sentido em que a pressuposiçao cristã – isto é, o conhecimento da verdade que até mesmo os descrentes têm enquanto o desonram – é temporalmente anterior: está presente desde o início da vida.) Outros ainda equiparam pressuposição a hipótese ou assumem que seja uma suposição arbitrária e sem base. (Na visão de Van Til, pressuposições são baseadas em revelação divina e são categóricas, não hipotéticas.) Com tanta confusão por aí, reluto em usar o termo, totalmente! Ainda assim, não quero contender acerca de palavras, e o termo já se tornou um rótulo padrão por todos aqueles que entendem que não existe neutralidade religiosa no pensamento e no conhecimento. Desse modo, usarei o termo ocasionalmente em relação a mim e a Van Til, como meio de acomodação e para enfatizar o que compartilhamos com Clark e com outros: a rejeição da neutralidade.


Referência:

FRAME, John. Apologética para a glória de Deus, ed. Cultura Cristã, pg. 15-20.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Examinando: Predestinação e Livre-arbítrio

Greg L. Bahnsen

Com base nos textos de Efésios 1:11, Isaías 46:9-11, etc, percebe-se o ensinamento bíblico de que Deus, desde toda eternidade, decretou, de uma forma imutável, todos os eventos que acontecerão na história, até mesmo as decisões do homem. Deus predeterminou (de acordo com sua sabedoria) o "final da história" desde o início, bem como os meios pelo qual todos os seus planos serão estabelecidos.

Existem muitos exemplos bíblicos notórios que corrobora com esta ideia, por exemplo, quando Moisés fez maravilhas na presença de Faraó, exigindo que o povo de Deus fosse libertado. A Bíblia diz que Faraó recusou a dar ouvidos as exortações de Moisés, endurecendo o seu próprio coração (Ex. 7:13). Faraó, neste episódio, fez o que ele próprio desejava, segundo suas próprias escolhas, e, por causa disso, mais tarde ele sofreu nas mãos de Deus, que operou para obstinação do seu coração. No entanto, a livre escolha de Faraó para endurecer o seu coração foi previamente decretado por Deus. Em Ex 4:21 Deus disse a Moisés, antes do episódio, que iria endurecer o coração de Faraó. Outro exemplo é aquele referente ao imperador persa, Ciro. Este fez a sua livre escolha, decidindo liberar os judeus do cativeiro e reconstruir Jerusalém. Contudo, a Bíblia ensina que Deus predestinou que Ciro iria decidi fazer essas coisas (Isaías 44:28, 45:13). Essas coisas foram profetizadas por Deus de acordo com o seu sábio conselho, sem tirar nada da liberdade e realidade da vontade exercida por Ciro na história.

Nos dias de Cristo, os dois governantes terrenos, Herodes e Pôncio Pilatos, deliberaram sobre as opções disponíveis para eles e, finalmente, decidiram, por suas próprias vontades, que Jesus fosse executado. Juntamente com o povo judeu, Herodes e Pilatos eram culpados diante de Deus por suas escolhas. A Bíblia diz que eles fizeram "pelas mãos de injustos" (Atos 2:23). No entanto, o mesmo texto da Escritura diz que o que eles fizeram foi "de acordo com o determinado conselho e presciência de Deus". Em Atos 4:27-28, se lê: "Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; Para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer. "

A Bíblia declara que "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer." (Pv 21:1). É notável isso nos casos das decisões livres feitas por monarcas como Faraó, Ciro, Herodes e Pilatos. (E, certamente, o Senhor também dirige os corações e as decisões de todos aqueles que são menos do que reis poderosos.)

Portanto, do ponto de visto bíblico, não há dificuldade conceitual em afirmar que Deus predestinou as decisões que os homens fazem livremente. Deus determina de antemão o que as pessoas vão optar por fazer, e ainda, os indivíduos genuinamente decidem por si mesmos a fazê-lo.

Objeções:

1 - Se Deus predetermina as escolhas que os homens fazem então estas escolhas não são verdadeiramente livre, pois, neste caso, os homens não podem deixar de fazer o que Deus tem ordenado. Portanto os homens são apenas marionetes, sem responsabilidade moral pelo que fazem. Como você pode conciliar a predestinação soberana de Deus com o livre-arbítrio do homem?

R= A primeira coisa que temos que admitir sobre este padrão de raciocínio (Deus ordenou, logo, o homem não é livre e responsável) é que ele contradiz diretamente o ensinamento da infalível Palavra de Deus. A lógica bíblica diz que a predestinação soberana de Deus não priva o homem de liberdade e responsabilidade. Quem pode, com credibilidade, corrigir a Deus? Precisamos voltar e descobrir o que está errado em nossa própria maneira de pensar.

Muitas pessoas cometem o erro de pensar que o plano soberano de Deus e o seu controle sobre as coisas deste mundo, de alguma forma, muda o próprio caráter e a operação dessas coisas. Assim, se Deus, soberanamente predetermina como um homem vai usar sua vontade (o livre-arbítrio), então já não é mais a vontade do homem (a vontade livre não é realmente livre). Mas esse raciocínio é falacioso.

Quando Deus predetermina que o vento iria virar um redemoinho, isso não nega a realidade do vento. Quando Deus predeterminou que um copo de água iria saciar a sua sede, não se pode deduzir o fato de que a água não é realmente água. Tomemos por exemplo os ossos de Jesus. Sabemos, de acordo com o ensino bíblico, que Jesus teve um verdadeiro corpo humano, assim, seu ossos eram ossos humanos, reais - feitos da mesma substância. Semelhante com o de qualquer outra pessoa, seus ossos eram capazes de quebrar. Ele não tem ossos de aço ou super-divinos. Contudo, a Bíblia declarou de antemão que seus ossos não seriam quebrados (João 19:36). Deus predeterminou que os ossos de Jesus não seriam quebrados, mas, ao predeterminar, Deus não alterou a natureza dos ossos. Eles não, misteriosamente, se tornaram inquebráveis. Eles ainda eram ossos humanos.

Da mesma forma, quando a Bíblia nos ensina que Deus predestinou às decisões livres feitas por homens, não devemos inferir que essas decisões livres não eram realmente livres. A Vontade do homem continua sendo apenas isso - a sua vontade. Deus é capaz, de acordo com o raciocínio bíblico, determinar de antemão que o homem vai exercer sua livre vontade de uma forma particular - e assim o homem faz livremente. Sem força ou coação, o homem genuinamente escolhe fazer o que Deus já preordenou.

2 – Como o homem pode fazer uma escolha livre se a Bíblia ensina que o homem não tem a livre-arbítrio, mas uma vontade escravizada pelo pecado?

R= Quando falamos de "livre-arbítrio" do homem neste cenário, devemos lembrar que estamos simplesmente dizendo que as ações ou escolhas de uma pessoa são voluntárias - genuinamente sob seu controle, e, que existe a capacidade exterior de fazer uma escolha contrária ao que ela realmente escolheu fazer. Podemos chamar isso de "liberdade metafísica", ou seja, as escolhas da pessoa são auto-determinadas, ao invés de forçada ou obrigada.

Afirmar isso, não significa que o homem tem um "livre-arbitrio moral". A Bíblia deixa claro que os homens não regenerados não são livres para fazer o bem aos olhos de Deus, pois eles são moralmente incapazes, de modo que todas as escolhas ficarão aquém de agradar a Deus e não viver de acordo com suas normas sagradas. Moralmente falando, a vontade do homem está em escravidão aos desejos pecaminosos - portanto, não é "livre".

A Confissão de Fé de Westminster tem um capítulo intitulado "Do livre-arbítrio", que faz uma distinção entre a liberdade metafísica e a liberdade moral da vontade do homem caído:

"Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem, nem para o mal ... O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual (...)"
(IX.1, 3).

Referência:

BAHNSEN, Greg L., The Counsel of Chalcedon XIII:12 (February, 1992) © Covenant Media Foundation, 800/553-3938.
Traduzido e adaptado por Fabrício de Souza Zamboni.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Apologética Pressuposicional usa um Raciocínio Circular?

Massimo Lorenzini
Este artigo responde a objeção comum de que a apologética pressuposicional usa um raciocínio circular (por exemplo, usando a Bíblia para provar a Bíblia). Minha resposta é que todo mundo usa um raciocínio circular. Quando um pressuposicionalista começa com a cosmovisão cristã para defender a mesma, isto é, de fato, circular.  Quando se usa um raciocínio circular, geralmente é um argumento fraco. No entanto, quando estamos falando de um critério intelectual final, uma certa quantidade de circularidade é inevitável. Permitam-me expor um pouco a citação do artigo de Michael Kruger denominado "The Sufficiency of Scripture in Apologetics", que apareceu na edição do "The Master's Seminary Journal (disponível online em: www.tms.edu) na Primavera de 2001.

“ Negar circularidade quando se vai para uma autoridade última é sujeitar-se a um infinito regresso de razões [ou argumentos]. Se uma pessoa sustenta certa visão, A, então quando A é desafiado, ele apela para as razões B e C. Mas, naturalmente, [as razões] B e C certamente serão desafiadas quanto ao porque elas deveriam ser aceitas, e então a pessoa teria de oferecer D, E, F e G como argumentos para B e C. E o processo segue continuamente. Obviamente isso tem de parar em algum lugar porque um regresso infinito de argumentos não pode demonstrar a verdade das conclusões de alguém. Assim, toda cosmovisão (e cada argumento) deve ter um último, não questionado, ponto de partida de auto-autenticação. Outro exemplo: imagine alguém perguntando a você se a vara de metro em sua casa tem realmente um metro de comprimento. Como você demonstraria tal coisa? Você poderia levar ela para seu vizinho e compará-la com sua vara de metro e, [então], dizer: “Veja, tem um metro”. No entanto, a próxima questão é óbvia: “Como você sabe se a vara de metro de seu vizinho [e a sua] tem realmente um metro?” Esse processo seguiria infinitamente a menos que houvesse uma vara de metro última (a qual, se não me engano, realmente existiu em dado momento e foi medida por duas finas linhas marcadas sobre uma barra de platina-irídio). É essa vara de metro última que define um metro. Quando se pergunta como alguém sabe se a vara de metro último tem um metro, a resposta é obviamente circular: a vara de metro última [tem] um metro porque ela [tem] um metro. Essa mesma coisa é verdade para a Escritura. A Bíblia não apenas acontece de ser verdade (a vara de metro em sua casa), ao invés ela é o próprio critério para a verdade (a vara de metro última) e, portanto o ponto final de parada na justificação intelectual. ”

Então, quando começamos com a Bíblia para defender a Bíblia, isto é feito com a convicção de que a Palavra de Deus é o critério supremo da verdade. Quando um evidencialista começa com o racionalismo (e ás vezes também com o empirismo), ele também está discutindo em círculo, só que ele nem sequer reconhece esse fato.

Pode-se observar que o evidencialismo é circular porque ele começa com a racionalidade. No entando, o evidencialista nem sequer se preocupa em provar a racionalidade, ele simplesmente a pressupõe! Assim, quando o evidencialista começa com a racionalidade para provar a Bíblia, ele está demonstrando que acredita (mesmo que inconscientemente) que a racionalidade é o critério supremo da verdade.

Por outro lado, o pressuposicionalista diz que a Bíblia é auto-atenticadora. Não existe nenhuma outra autoridade de autenticação ou verificação. Quando uma criança de cinco anos diz ao seu pai: “Por que eu tenho que fazer o que você disse?” O pai não precisa responder com outra coisa senão: "Porque eu disse!”. Para a criança, não há nenhuma autoridade superior. Para o cristão, não há autoridade maior do que a Palavra de Deus. O próprio Deus não pode se referir a uma autoridade maior do que si mesmo:

"Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo" (Hebreus 6:13)

A Apologética é uma questão mais moral do que intelectual. Ela tem a ver com o arrependimento de um uso autônomo da razão buscando submeter o pensamento a Deus. Deve-se arrepender não apenas do conteúdo do que se acredita, mas também do método pelo qual se pensa. A questão aqui então é a própria epistemologia. Qual é a escala pela qual pesam os fatos? É a escala de Deus ou a nossa? Se usarmos a nossa própria escala, os fatos a respeito de Deus e a verdade definitiva sempre será achada em falta por causa da natureza depravada do homem. O estudo cuidadoso da doutrina da depravação total mostra que nenhuma quantidade de evidência dada a um pecador, uma pessoa rebelde, caída, vai ser suficiente para levá-la ao arrependimento e á fé.

O pecador não regenerado construiu para si uma parede que é como um escudo para proteger-se da verdade de Deus. A Apologética evidencialista é totalmente inadequada para a tarefa de remover os tijolos dentro da parede do incrédulo. Só uma abordagem pressuposicional de apologética é capaz de atacar de maneira eficaz, e desmantelar a fortaleza do relativismo, a apatia e o cinismo que o pecador incrédulo tem erguido com um esforço para barricar-se da verdade.

No entanto, eu não estou dizendo que uma apologética pressuposicional é suficiente para levar alguém á Cristo. A abordagem do pressuposicionalismo é aplicar uma apologética para o coração e a mente pós-moderna; sacudi-la de seu sono relativista, e assim, pressionar sobre ela a demanda da santa Lei de Deus e da gloriosa esperança do Evangelho de Jesus Cristo. Mas sem a obra regeneradora do Espírito Santo, mesmo a defesa mais poderosa da fé é inútil.

Você pode notar que a apologética pressuposicional busca ser consistente com a teologia bíblica. A doutrina da depravação humana por si só é suficiente para mostrar a inadequação da apologética evidencialista para levar um homem ao verdadeiro arrependimento e fé em Cristo. Este fato tem sido sempre fiel e sempre verdadeiro, não importa o que a visão de mundo predominante é, mas é especialmente verdadeiro quando se trata do pensamento descrente pós-moderno.

Enquanto a antropologia bíblica confirma o fato de que o evidencialismo é inadequado e incompatível com as Escrituras, outras doutrinas fundamentais também conduzem ainda mais a este fato. Ao considerar os métodos apologéticos, deve-se também levar em consideração as doutrinas da revelação geral e especial, Teologia adequada, hermatologia, soteriologia e cristologia. No entanto, eu não vou entrar em uma explicação de como essas doutrinas se relacionam com a apologética aqui.

A teologia é verdadeiramente fundamental na determinação de uma metodologia apologética. Sua compreensão da teologia informa sua epistemologia. A epistemologia é a chave para a compreensão da apologética. O pensamento do homem não é neutro, mas é escurecido, caído, e hostil a Deus. O homem, por natureza, odeia a Deus e faz tudo em seu poder para se esconder d'Ele. Portanto, o homem deve arrepender-se do seu pensamento autônomo, pecaminoso e depender da revelação de Deus, a fim de chegar ao conhecimento da verdade. Evidência, por si só, não é capaz de trazer um homem pecador para a salvação ou para a verdade. Ele irá interpretar todos os fatos pecaminosamente, em vez de submeter-se a interpretação dos fatos de Deus.

Você só pode saber se sua epistemologia é correta se ela se enquadra na norma divina, que é inerente ao homem via imagem divina (sensus divinitatis) e também testemunhada por impressão digital de Deus em toda criação (revelação geral). No entanto, a maior precisão epistemológica pode ser tida apenas através das Escrituras (revelação especial). Só quando você está consciente de sua epistemologia - verificada pelo padrão divino de revelação, você pode estar em uma posição para julgar alegações de verdade. Caso contrário, se você rejeita o padrão divino, você não tem nenhuma garantia de que a sua epistemologia é correta e precisa, [logo], você não estará em posição para pesar qualquer tipo de pretensão de verdade. Tudo se torna irremediavelmente sem sentido e fútil, e o pensamento racional em si é impossível.

Se o cristianismo é verdadeiro (e é), então devemos argumentar a partir da base do mesmo. Não podemos conceder a um pecador rebelde um terreno neutro sobre o qual pesam as evidências de Deus, pois não há terreno neutro. O uso autônomo da razão é o problema, não a solução! Pense nisso, o raciocínio humano autônomo levou á queda do homem no jardim. Como poderia alguma vez levar a Deus? Uma pessoa pode ter autonomia epistemológica somente se ele possui autossuficiência intelectual. O homem não é intelectualmente autossuficiente nem é existencialmente autossuficiente ou independente. Em vez disso, o homem é uma criatura finita, dependente de Deus. Ele é dependente de Deus para ter o oxigênio, comida e água, para sua existência (Atos 17:25).

Este mundo é de Deus. Não há simplesmente um terreno neutro para se ficar em cima e avaliar a evidência de Deus. Toda a criação é uma evidência! (Rm 1:18-20). Todos nós vivemos, nos movemos e temos nosso ser em Deus (Atos 17:28). Imagine que toda criação de Deus é como uma enorme bolha. Uma pessoa não pode ir para fora desta bolha e examiná-la. Não há terreno neutro, externo para ficar em cima. Não há nenhuma maneira de julgar os fatos atomisticamente e neutramente. Fatos só têm o seu significado dentro da visão de mundo mais ampla. Uma visão de mundo determina a interpretação dos fatos. Se alguém tem uma cosmovisão naturalista, os fatos serão interpretados de maneira que seja consistente com esta visão de mundo. O Pressuposicionalismo ataca o fundamento desses incrédulos, suas visões de mundo. Ele chama o descrente a se arrepender de seus pensamentos ímpios e pensar os pensamentos de Deus.

Crentes e não-crentes não têm um terreno epistemológico comum. Eles não compartilham as mesmas escalas, que pesam os fatos. Eles têm um terreno ontológico comum - como criaturas criadas á imagem de Deus. Portanto, o único terreno comum é ontológico e não epistemológico. Isto se torna o ponto de contato com o incrédulo - o fato de que eles são criados á imagem de Deus e estão cientes dessa verdade por mais que eles tentam suprimir (Rm 1:18-20).

Eu me simpatizo com a posição evidencialista porque eu também fui um evidencialista a maior parte da minha vida cristã. Eu simplesmente não conhecia outra maneira de abordar a apologética. Mesmo depois de muita exposição da apologética pressuposicional, eu levei alguns meses para entender e finalmente abraçar. Posso dizer-lhe que, uma vez que eu entendi, foi como um avanço muito grande, e eu caí no amor para com ela. Estas verdades não são facilmente visíveis. Você pode ter que lutar com elas por algum tempo antes de vê-la. Ela exige que você dê um passo atrás e olhe para as questões verdadeiramente fundamentais (teologia sistemática, epistemologia) e como elas afetam a sua metodologia apologética.

Referência:

Link: http://www.frontlinemin.org/epolpresupp.asp ,
acessado no dia 09/10/2013 ás 21:12. Traduzido por Fabrício de S. Zamboni e Emerson Campos Pinheiro.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Escatologia e Trabalho



Na América colonial do século 18, George Whitefield, enquanto em Nova Jersey, jantou com vários pastores americanos. Somos informados que:

Após o jantar, no curso de uma conversação descontraída e agradável, o sr. Whitefield falou das dificuldades em seu ministério do evangelho, procedentes do pequeno êxito com os quais seus labores foram coroados. Ele lamentou grandemente que toda sua zelosa atividade e fervor foram de pouca utilidade; disse que estava cansado das obrigações e fatigas diárias; declarou que seu grande consolo era que, em breve, sua obra estaria feita, quando partisse para estar com Cristo; que a expectativa de uma breve libertação mantinha seu espírito, ou, de outro modo, teria sucumbido sob o seu trabalho. Ele então apelou aos ministros ao seu redor, se eles não tinham grande conforto que em breve descansariam. Todos concordaram, exceto o sr. Tennent (o Rev. William Tennent Jr.), que sentava perto do sr. Whitefield em silêncio; e por seu silêncio demonstrava pouco prazer na conversação.

Nisso, o sr. Whitefield, virando-se para ele e dando um tapa em seu joelho, disse: "Bem, irmão Tennent, você é o mais velho entre nós! Não te alegra pensar que seu tempo está tão perto, quando você será chamado para o lar e estará livre de todas as dificuldades?"

O sr Tennent respondeu diretamente: "Não, eu não tenho esse desejo". O sr. Whitefield o pressionou de novo; e o sr. Tennent novamente respondeu: "Não, senhor, não é o meu prazer de forma alguma, e se você conhecesse o seu dever, tampouco o seria para você. Não tenho nada a ver com a morte; meu dever é viver o quanto puder - e servir ao meu Senhor e Mestre tão fielmente quanto puder, até que ele considere apropriado me chamar de lar."

O sr. Whitefield insistiu numa resposta explícita á sua pergunta, caso o tempo da morte fosse deixado á escolha dele. O sr. Tennet replicou: "Não tenho nenhuma escolha nisso; eu sou um servo de Deus, e tenho me engajado em fazer o seu trabalho enquanto ele se agradar em me deixar aqui. Mas não, irmão, deixa-me lhe fazer uma pergunta: o que você acha que eu pensaria se eu enviasse meu empregado Tom ao campo para lavrar, e se ao meio-dia eu fosse ao campo e o encontrasse roncando debaixo de uma árvore e reclamando: 'Senhor, o sol está muito quente, e o arado é muito duro e difícil; estou cansado e enfadado do serviço que me deu, e estou fatigado com o calor e fardo do dia; senhor, deixe-me retornar para casa e me dispense desse serviço duro.'

O que eu diria? Que é um preguiçoso e inútil; que sua responsabilidade era fazer o trabalho que eu lhe dei, até que eu, o justo juiz, considerasse apropriado chamá-lo para casa.

Ou suponha que você tenha contratado um homem para lhe servir fielmente por um determinado tempo, num serviço particular, e ele, sem nenhuma razão da sua parte, e antes de realizar metade do seu serviço, se cansasse do serviço, e, em cada ocasião, expressasse um desejo de ser dispensado ou colocado em outras circunstâncias
. Você não o chamaria de um servo mau e negligente, indigno dos privilégios do seu emprego?

A maneira branda, agradável e cristã na qual essa repreensão foi administrada, aumentou ainda mais a harmonia social e a conversão edificante daqueles irmãos, que concordaram ser muito possível errar, mesmo ao desejar “morrer e estar com Cristo”, que em si é “algo bem melhor”, do que permanecer neste estado imperfeito; e que é o dever do cristão nesse respeito dizer: “Esperarei todos os dias do meu tempo designado, até que chegue a minha mudança”.

Esse era o temperamento bíblico e puritano. Murray demonstrou a importância desse temperamento para o sucesso puritano, adicionando:

“A oportunidade de Honrar a Cristo cumprindo nossos deveres atuais é um privilégio sem preço, e aqueles que assim o servem não ficarão esperando a sua vinda. ‘Bem-aventurado aquele servo que o seu senhor, quando vier, achar servido assim’.”

A doutrina mundana a respeito do descanso é uma fuga do trabalho. Estar de férias significa uma busca inquieta por entretenimento e uma preocupação em se evitar as exigências do trabalho. O trabalho não produz nenhum domínio ao escaparmos da realidade da frustração e castração. O homem sem domínio verdadeiro, corre do trabalho para uma sexualidade frenética, tentando provar uma falsa potência, pois sabe, em seu coração, que é um homem impotente no que diz respeito ao verdadeiro domínio.

Para o homem de Deus, o descanso é um privilégio, assim como o trabalho. Ele descansa porque tem a certeza de que o Deus infalível e onipotente tem lhe assegurado a vitória, e que seu labor nunca é vão no Senhor. O homem de Deus descansa no orgulho e na alegria do domínio, ao deleitar-se no Deus que faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que o amam, para aqueles que são chamados de acordo com o seu propósito.

Aposentadoria é um princípio moderno, uma contraparte secular da idéia de um arrebatamento. É um abandono da virilidade e da vida. Enquanto o homem for capaz, ele precisa trabalhar, e precisa descansar. O arrebatamento e a aposentadoria são assumidos falsamente como premissas e significam uma entrega; elas tratam uma retirada do domínio como um privilégio, e não como uma tragédia de tristeza.

Referência:

RUSHDOONY, Rousas John, O Plano de Deus Para Vitória – O significado do pós-milenismo, ed. Monergismo, pg. 47-49 e 53-54.

sábado, 5 de outubro de 2013

Apologética no Seminário de Westminster

                           Apologética é muitas vezes definida como a "defesa da fé". Porém a apologética de Cornélius Van Til, professor de longa data do Seminário de Westminster, na Filadélfia, foi mais ofensiva do que defensiva. Ele viu a apologética como o meio pelo qual podemos desmascarar os pressupostos dos sistemas não-cristãos de pensamento, expondo-os como religiões baseadas em fé arbitrária no próprio homem. A Apologética de Van Til exige que os cristãos estejam profundamente conscientes de seus pressupostos: que devem ser regidos pelas Escrituras em casa pensamento, palavra e ação.

A Apologética do Seminário de Westminster, portanto, é mais do que a "defesa da fé", ela é também  a "Teoria cristã do conhecimento", pois, em sua apologética, aprendemos que a Palavra de Deus deve ser o axioma (princípio primeiro) para todo pensamento humano.

Em Westminster, é essa abordagem de base para o conhecimento que está por trás, não apenas do nosso ensino em apologética, mas de todos os outros campos. Todos os nossos professores buscam em suas respectivas disciplinas "levar cativo todo pensamento á Jesus Cristo" (2 Coríntios 10:5).

É por isso que nos departamentos do Antigo e Novo Testamento não devemos permitir que os alunos se contentem com o convencionalismo da erudição bíblica. Podemos ver que essa bolsa muitas vezes rejeita aquilo que Deus nos diz na Escritura; na verdade, em grande parte, opera nos pressupostos de que acontecimentos sobrenaturais são impossíveis. Em Westminster, estamos conscientes de que, se milagres são impossíveis, então o Deus bíblico também é impossível. Nós, não anti-intelectualistas, insistimos na interpretação das Escrituras, exatamente como tem sido feito em nossa tradição; mas não acreditamos em uma espécie de “progresso” que remova os alicerces da fé cristã -, que Deus agiu na história, visivelmente e milagrosamente. Procuramos ser estudiosos da Bíblica, responsáveis para com os dados da linguística e da história, mas, especialmente, responsáveis para com as normas das Escrituras em si.

Na teologia sistemática, também buscamos conhecer as Escrituras no caminho de Deus. As sistemáticas tendem a ser topicamente ordenadas, ao invés de historicamente ordenadas como em outros estudos bíblicos. Mas em todas as coisas, reconhecemos nossa obrigação de pressupor a verdade da revelação de Deus em todos os pontos e atacar os adversários expondo seus falsos pressupostos.

Na teologia prática, nossos alunos aprendem a praticar métodos de aconselhamento bíblico (como o desenvolvido por Jay Adams) e não as psicologias da moda. A pregação deve ser a proclamação da Palavra de Deus, e não ideias de homens, para que nossos alunos aprendam a serem meticulosos na elaboração de seus sermões e não fugirem das ideias transmitidas nos textos bíblicos.

Evangelismo, Educação Cristã, Plantação de Igrejas: toda disciplina "prática" repousa sobre a mesma visão de epistemologia (conhecimento) cristã.

A disciplina da História da Igreja aqui, não se limita a descrever acontecimentos passados, mas também pretende avaliá-los, segundo os padrões bíblicos. Assim, podemos aprender com o passado, para que os nossos ministérios presentes possam sem mais bíblico.

Assim, a apologética é encontrada em todo o nosso currículo. Em cada curso, os alunos aprendem a desmascarar os inimigos do cristianismo e avaliar suas pressuposições por critérios bíblicos. Em cada curso, os alunos aprendem a julgar os espíritos de nossa época pelos critérios da Palavra de Deus. Em cada curso, eles aprendem conteúdos e métodos que são autenticamente bíblicos.

Peço que roguem por nós, para que possamos realizar estas intenções de maneira cada vez mais consistente, de maneira que possamos contribuir mais e mais como embaixadores de Cristo neste mundo descrente.

Referência:
Texto retirado do site: http://www.frame-poythress.org/apologetics-at-westminster-seminary/ ás 14:35, 04/10/2013. Traduzido por Fabrício de S. Zamboni.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Meditando sobre João 9:1-41

Meditando sobre João 9:1-41

Por John M. Frame

[In Covenant 4:3 (jun., 2001), 1-2]


Imagine que você tenha nascido cego. Seus pais, ou alguma outra pessoa, cuidou de você até que você completasse 12 anos. Depois dos doze você começou a mendigar. Hoje, você tem 35 ou 40 anos, e a mendicância é a única vida que você já viveu. Você conhece um pouco de religião, especialmente porque as pessoas ás vezes vem discutir ao seu redor, como por exemplo: "Quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego?" Isso é um aspecto do que os teólogos chamam de "O problema do mal". Então os Teólogos ficam por perto, discutindo sobre você da mesma forma que as pessoas discutem sobre economia ou sobre o clima

Certa vez, algo diferente acontece . É sábado, e dessa vez, um dos homens da discussão não dá as respostas e sempre. "Nem ele nem seus pais pecaram", ele diz, "mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele". Então Deus é o culpado? Foi Deus quem fez isso comigo? Você pergunta.

O homem então cospe no chão, faz uma lama com sua própria saliva e a coloca em seus olhos. O que este homem esta fazendo? Algum tipo de brincadeira cruel para que os teólogos riem do homem a quem Deus cegou? Então o homem diz: "Vai, lava-te no tanque de Siloé." Bem, provavelmente você não vai se machucar em fazer o que este homem disse, até porque você precisa tirar (lavando) a lama que esta em seus olhos. Então você vai e lava, e, algo incrível acontece: de repente, você consegue ver!

Depois disso você se levanta e começa a andar por aí. Você agora sabe exatamente onde está indo! Você agora tem um olhar de confiança e alegria, pois sabe que as pessoas vêem e tratam você de uma maneira diferente. Elas sabem que você mudou, e que deixou de ser aquela pessoa  que implorava por ajuda durante muitos anos. De repente, os teólogos querem falar com você: não apenas sobre você, mas agora com você.

"Como foi  que seus olhos se abriram?" - Perguntou um certo teólogo.

"Bem", você diz, " Um homem misturou terra com saliva, colocou-a nos meus olhos e me disse que fosse lavar-me. Fui, lavei-me, e agora vejo"

"Onde está esse homem?"

"Eu não sei...". Você responde sendo o mais honesto possível.

O teólogo então pergunta novamente: "O que você diz sobre este homem?" Hmm...Qual será a resposta certa? Um profeta? Os judeus insistem que ele não pode ser um profeta. Ele é um pecador. Ele quebra o sábado. Mas então, você vai e diz: "Se ele é um pecador ou não, eu não sei. Uma coisa eu sei: Eu estava cego, e agora eu posso ver."

Você mal conhece Jesus, mas, de repente, você se torna um apologeta. Apologética é dar uma razão para a nossa fé. O Apóstolo Pedro diz: "Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós" (1 Pedro 3:15). Você nunca sabe quando alguem vai perguntar "por que você acredita em Jesus?" ou "Por que você vai a Igreja?", pedindo a razão da vossa fé.

Nós ensinamos apologética no seminário. Consideramos muitos argumentos a favor e contra Deus e a Bìblia. São muitas visões diferentes sobre como defender a fé. Muitos estudiosos se sentem fortemente convictos de que sua abordagem é a melhor, a correta, e entram em muitas batalhas com outros apologetas tanto como com os não-cristãos.

Mas, a apologética bíblica é simples, e cada cristão é chamado para ser um apologeta. Sempre que alguém lhe pede para dar uma razão para sua fé, você deve estar pronto para responder. Isso não é uma tarefa difícil como muitos pensam. O cego de nascença não sabia muito, mas sabia que só Deus poderia fazê-lo ver. Deus o fez cego para glorificar o nome de Jesus. Nosso trabalho é dizer ás pessoas honestamente o que Deus tem feito em nossas vidas, e por isso acreditamos nele. Ao fazer isso, estamos desafiando os pressupostos que as pessoas usam para fechar a Deus fora de suas vidas e de seus pensamento. E, se Deus permitir, o nosso testemunho será um meio para levar tais pessoas á Cristo.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Depois das Trevas, Luz...

Uma das grandes frases que ficou conhecida no episódio da Reforma Protestante é a frase “post tenebras lux”(em latim), que significa “Depois das trevas, luz”.

A frase resume o mote da Reforma do século. Essas “trevas” referem-se ao entendimento do cristianismo bíblico pela Igreja, que se desenvolveu gradualmente durante a idade das trevas ao longo da era Medieval até o tempo da Reforma.[1]

O conhecido pastor reformado, John Piper, Ilustra muito bem a realidade dessa frase com o ministério de João Calvino. Em suas próprias palavras, ele disse: “João Calvino fez seu ministério, tendo forjado sua teologia em uma cidade de sofrimento, severidade, brutalidade e imoralidade. E ele fez isso expondo diariamente a Palavra de Deus. E a luz saiu da escuridão e deu esperança para um povo sofrido. E esta tem sido a forma que tem acontecido desde então com doutrinas da Reforma circulando e triunfando sobre a escuridão em todo o mundo pela pregação expositiva da Palavra de Deus.”[2]

Este blog pretende compartilhar um pouco do calvinismo (o “apelido do evangelho” nas palavras de Spurgeon), sua história, doutrinas, etc. Espero que (com a misericórdia de Deus) esse blog possa glorificar a Cristo, pois sabemos que “...D’Ele por Ele, e para Ele, são todas as coisas; “ (Rm 11:36).

Referências:

[1] – R.C. Sproul (Ligonier Ministries)

[2] – John Piper (http://www.desiringgod.org/blog/posts/after-darkness-light-video-from-geneva).